LEME: PARA QUE SERVE?
“O leme é o comando com maior probabilidade de não ser usado como deveria.”
Ok, ninguém tem dúvidas sobre o que acontece quando pressionamos o pedal do leme:
Pressione o pedal esquerdo e o nariz se moverá para a esquerda e vice-versa. (uma generalidade grosseira, eu sei, mas tenha paciência comigo).
A propósito, ao falar sobre leme, as pessoas podem imaginar que a discussão será focada em curvas. E, sim, isso é importante, mas é apenas uma das várias situações que iremos abordar.
Mas então, qual o problema? O problema é que o leme não deve ser visto apenas como um comando utilizado ao realizar curvas, mas sim, o comando que deve anular ou controlar outras forças que ocorrem em quantidades, momentos e regimes de voos diferentes. O leme é mais do que o “cara” que nos ajuda a fazer curvas coordenadas, embora muitas vezes também seja ignorado nisso, seu principal papel.
Então, o que realmente faz o leme?
O leme não é um comando primário, é um comando “consertador”.
Ele conserta coisas que poderiam estar erradas devido a um conjunto de forças que afetam o avião. Sim, há uma lista de forças contrárias às quais o leme deve lutar, e em nenhum momento isso é mais perceptível que numa simples curva, onde como na maioria dos regimes de voo, há um “vilão” aerodinâmico ansioso para causar problemas de eficiência. Nesse caso, uma guinada adversa.
“O objetivo principal do leme é controlar a guinada.”
Apenas nove palavras definem a sua função, então é mais simples do que pensávamos. No entanto, isso pode ser uma simplificação excessiva. Essa definição pode ser mais bem compreendida estudando as situações em que o uso do leme é necessário e, em seguida, analisando o efeito produzido ao usá-lo, bem como o de não usá-lo.
Em situações normais de voo, a bolinha nunca mente. Geralmente, se está descentralizada (glissada ou voo com potência assimétrica em multimotores a pistão não conta), o avião está guinando e o leme está na posição errada. Então, pise na bola para centralizá-la e elimine a guinada. Simples assim.
Forças específicas que atuam sobre avião: as 4 tendências de curvar a esquerda.
Os pilotos de aviões com propulsão a hélice devem considerar esse conjunto de forças criadas por uma hélice girando rapidamente. Pense por um minuto, uma hélice a 2400 RPM gira 40 vezes por segundo. Se você já pegou uma hélice na mão, sabe quão pesada é. Então, há uma relação de forças atuando lá no nariz e você precisa estar familiarizado com isso.
Observe que as definições aqui citadas consideram aviões com hélices girando para a direita (visto da cabine). Para hélices com sentido de rotação contrária (esquerda) todos os efeitos e ações corretivas serão exatamente para o lado oposto.
(SITUAÇÃO 1): A CURVA: LEME vs GUINADA ADVERSA

Figura 1: Voo lento significa maior guinada adversa transitória
Nada na vida é de graça e isso é especialmente verdadeiro no caso do aumento de sustentação. Aumente a sustentação e você aumenta o arrasto. Isso é um fato o qual temos que lidar. Portanto, quando comandarmos uma rolagem o aileron de fora da curva é defletido para baixo e o interno para cima, aumentamos mais a sustentação na asa externa e diminuímos na asa interna à curva. Então, o que acontece quando há mais arrasto na asa externa do que interna? Simples, esse arrasto extra puxa a asa externa para trás, de modo a mover o nariz para fora da curva.
Uma regra a não ser violada: Enquanto o aileron for defletido para baixo, haverá maior sustentação/arrasto desigual nas asas e o leme será necessário para anular a guinada indesejada. Porém, assim que o ângulo de inclinação é estabelecido, os ailerons devem ser neutralizados, o que significa que o leme não é mais necessário. Tal regra pode ser observada nas imagens do vídeo abaixo onde um Piper Cub realiza curva coordenada de perna base para reta final.
“Sem aileron, sem leme. Ponto.”
(SITUAÇÃO 2): DECOLAGENS E PRECESSÃO GIROSCÓPICA
A precessão giroscópica é um fenômeno curioso em que você tenta mover um objeto giratório, por exemplo, um giroscópio, e o movimento giratório muda a direção em que a força está agindo, então o resultado é um movimento de 90 graus em relação à linha de força original. O efeito é maior para objetos grandes e pesados, como hélices.
Portanto, se você mover à força uma hélice giratória, como quando a cauda é levantada em um avião com trem de pouso convencional, mesmo que a força tenha sido aplicada em uma direção para baixo (a cauda sobe, o nariz desce), o movimento resultante inclui uma guinada para a esquerda.
Em aviões menores e mais leves, como um Champ ou Cub, onde a hélice de madeira massa menos de 7 Kg, o efeito é quase imperceptível. Em algo como um Pitts Special de dois lugares, onde a hélice pesa mais de 27 Kg, o movimento é mais óbvio. Essa mesma hélice, em um avião maior, no entanto, não terá tanto efeito porque o avião será mais pesado do que os pequenos Pitts, de modo que as forças de precessão serão ultrapassadas pela inércia. A guinada causada pela precessão é facilmente tratada com apenas um pouco de pressão no pedal direito.
(SITUAÇÃO 3): SUBIDAS E O TORQUE (AUXILIADO PELA ESTEIRA DE HÉLICE)
O torque é frequentemente responsabilizado pela guinada repentina para a esquerda, quando a cauda é levantada em um avião convencional, mas a precessão é na verdade o vilão aí. Torque é uma ação radial que tenta torcer a célula oposta à direção em que a hélice está girando. Se o avião estiver no solo, com o trem de pouso firmemente plantado, ele não poderá torcer o avião porque o trem de pouso o está parando. Em aviões realmente potentes, por exemplo, o Mustang, algum efeito de torque é sentido no solo porque ele está tentando comprimir a perna do trem de pouso esquerdo.
No voo reto-nivelado o torque é compensado pelo ângulo de instalação do motor no avião. E por conta da instalação compensar o torque apenas em regime de cruzeiro, o avião quer rolar para a esquerda em velocidades baixas a menos que seja controlado pelo aileron.
Onde o efeito do torque é mais fortemente sentido é exatamente no momento da decolagem. Aqui, o trem de pouso está fora do solo e o avião está lento e em seu momento de voo mais vulnerável. Na maioria dos aviões da aviação geral, o efeito é leve porque a hélice é leve, a potência baixa e o avião bastante pesado. No entanto, conforme a relação potência/peso melhora (motor maior, avião mais leve), o avião tentará desviar para a esquerda (assumindo a rotação da hélice no sentido horário, conforme visto da cabine) conforme sai do solo e algum leme direito será necessário para mantenha o nariz reto e elimine a deriva.
Em aviões de alto desempenho, sendo o Pitts um deles, se deixado por conta própria, o avião começará a flutuar quase que instantaneamente para a esquerda em um ângulo de 15 graus.
Em todos os aviões, repita todos os aviões, durante a subida, quando o avião estiver lento e a potência alta, a bola vai querer deslizar para a direita e será necessário leme. Ok, claro, em aviões comuns do tipo Cessna / Piper, a bola mal sairá do centro e é fácil argumentar que o leme não é necessário. Mas isso não é absolutamente o caso. Se a bola estiver um pouco fora do centro, o avião está tentando subir com o nariz inclinado para um lado, o que significa que está sujo e menos eficiente do que deveria. Muita potência está sendo desperdiçados tentando arrastar o avião pelo céu de lado e isso simplesmente não faz muito sentido, quando apenas um toque no leme irá limpá-lo.
Uma questão lógica a se fazer: “Que diferença faz se a bolinha estiver descentralizada durante a subida?” Toda vez que a bolinha estiver fora do centro, o avião está guinando. Então, está voando de lado e arrasto extra gerado pela guinada está consumido sua potência e sua razão de subida será menor por conta disso.
“Guinada destrói eficiência, e eficiência é um dos pilares da aerodinâmica e do voo em geral.”
(SITUAÇÃO 4): CURVAS EM SUBIDA
Quando em subida, há mais em jogo do que a simples razão de subida, mais cedo ou mais tarde, você vai ter que curvar o avião, ainda na subida, e é aí que é preciso entender o torque e o leme.
Em uma subida, o torque (auxiliado pela esteira de hélice) está constantemente tentando guinar o avião para a esquerda e o que você faz com o leme em uma curva nessa situação muda dependendo se você está virando para a esquerda ou direita. Em uma curva à esquerda, você não precisa aplicar pedal esquerdo; você só precisa de menos pedal direito. Em uma curva à direita, você precisa de mais pedal para a direita. Na verdade, em uma curva ascendente com potência a pleno na maioria dos aviões, você provavelmente carregará um pequeno leme para a direita durante a curva para manter a bola no meio e o avião devidamente equilibrado.
A boa notícia nessa situação é que sua bunda vai se mexer para frente e para trás no assento e, se você prestar atenção, ela dirá quando você precisa prestar mais atenção à bola.
(SITUAÇÃO 5): APROXIMAÇÕES E P-FACTOR (P = PROPELLER)
Se você gostaria de ver uma demonstração clara da interação entre potência, torque e fator P (empuxo / arrasto assimétrico causado pela hélice), tente este pequeno exercício da próxima vez. Ao voar: configure a melhor razão de subida com potência total e deixe os pés fora do leme. Veja onde a bola se acomoda: ficará fora do centro para a direita. Então, mantendo a mesma velocidade, que provavelmente é a mesma ou próxima da velocidade de planeio (POH), reduza toda potência e baixe o nariz para uma atitude de planeio e veja o que a bola faz. Estará à direita em uma subida e deslizará graciosamente para a esquerda no planeio conforme o torque é trocado pelo P-factor.
Quando você interrompe a força no vento para uma Glissada (você faz glissadas, certo?), Você verá a bola deslizar para a esquerda. Será mais óbvio em alguns aviões do que em outros. Isso significa que o nariz está para a direita, o avião está sujo e você está perdendo altitude mais rápido do que o necessário. Se você virar à esquerda na base nessa condição, enquanto estiver na curva o avião não está apenas sujo, mas agora o nariz está para a direita e diminuindo a curva, então leva mais tempo para fazer a curva e você gasta muito mais tempo com uma asa abaixada em uma condição suja do que você faria se estivesse coordenado. Por causa dessa combinação, você perde muito mais altitude do que o necessário. Além disso, você está derrapando para longe da pista na curva, o que é a mesma coisa que perder altitude. Em suma, não é uma maneira muito eficiente de pilotar um avião.
Um pequeno toque com o leme esquerdo na aproximação manterá a bola no meio e aumentará bastante a capacidade de planar do avião. A maioria dos aviões precisa apenas de um toque de leme, mas se você observar com atenção, verá que é necessário.
(SITUAÇÃO 6): GLISSADA E CORREÇÃO DO VENTO DE TRAVÉS
Se a combinação acima, em que o leme equilibra exatamente o ângulo da inclinação, não está equilibrada, por ex. não houver leme suficiente para equilibrar o ângulo de inclinação, o avião se moverá na direção da asa mais baixa, a menos, é claro, que haja um vento cruzado daquele lado, que o mantenha no lugar. Nesse caso, leme apenas o suficiente é aplicado para manter o nariz reto para baixo da linha central e ângulo de inclinação suficiente é mantido para equilibrar o vento cruzado com o resultado de que o avião voe direto para a frente, mas com a asa abaixada e o nariz alinhado.
Então, para que serve o leme?
Voltando à questão original: o leme é a ferramenta mágica que alcança e limpa o que de outra forma seriam alguns regimes de voo bastante feios. Você pode voar sem entender? Claro, mas você não estará voando corretamente e seu avião será ineficiente e menos propenso a ir exatamente para onde você deseja. Então, a escolha é sua. Voe certo ou errado. Não há muita escolha, certo?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. Sport Aerobatics, revista oficial do clube internacional de acrobacia IAC, Julho 2013, Pitts as a trainer por Budd Davisson, página 4. Consultado em 16/11/2020.
2. Basic Aerobatics 1st edition by Szurovy, Geza, Goulian, Mike (1994), livro consultado em 17/11/2020
3. Propeller Aerodynamics, the history, aerodynamics & operations of Aircraft Propellers, Frank E. Hitchens
Escrito por Vinicius Reis