Sempre que pensamos em gelo, normalmente associamos, ao gelo externo. Porém o mais traiçoeiro e muitas vezes desprezado é o gelo no carburador, que segundo a AOPA, foi responsável por mais de 200 acidentes e 13 fatalidades na última década nos Estados Unidos. Como na maioria dos riscos na aviação, a chave para combater é simples: entender o perigo, reconhecer os sintomas e tomar uma ação imediata. Para compreender melhor a formação de gelo no carburador e como evita-lo ou combate-lo precisamos entender como funciona o sistema do carburador e seu aquecimento e a formação de gelo. O CARBURADOR A Função do carburador é simples: ele mistura a gasolina com o ar em uma proporção correta antes de enviar essa mistura para o motor em quantidade correta. Para isso o carburador faz uso de uma passagem estreita e cônica, chamada de “Venturi”. Quando o combustível é injetado nessa rápida corrente de ar à baixa pressão (decorrente do Efeito de Venturi), ele evapora, e essa mistura de ar e combustível em fase gasosa flui para os cilindros. Porém essa passagem do ar pelo Venturi do carburado, gera um aumento de velocidade do ar e diminuição da pressão e consequentemente uma redução brusca na temperatura, que associado à vaporização do combustível essa queda na temperatura é intensificada; que em alguns casos podem resultar em quedas de até 20°C. Se esta mistura cair abaixo do ponto de congelamento, e o ar contiver umidade relativa suficiente, o gelo poderá começar a se formar nas paredes de carburador e dessa forma bloqueando a passagem de ar e combustível e consequentemente a uma redução de potência, podendo vir até mesmo a parar.
A “ZONA DE PERIGO” Embora a maioria dos pilotos já deve ter ouvido falar que apenas um conjunto especifico de condições possa levar à formação de gelo no carburador, mas a verdade é que a grande maioria de nós voa dentro da “região de perigo” regularmente. O gelo pode se formar em uma gama de temperatura externas e umidade relativa. Geralmente associamos a palavra “congelamento” à ventos tempestuosos e temperaturas baixas, porém o gelo no carburador pode se formar com condições de temperatura tão altas quanto 38°C e umidade relativa de apenas 50%! E por outro lado o risco não desaparece até que a umidade caia, à grosso modo, abaixo de 25%, e/ou a temperatura externa caia bem abaixo do ponto de congelamento. CONDIÇÕES DE VOO Não é por que o gelo pode se formar em uma gama de situações que isso sempre irá acontecer, pois existem certas condições mais ou menos favoráveis. A condição mais favorável para que o gelo se forme, e de forma grave, é quando as temperaturas caem para algo entre 10ºC e 16ºC, e umidade relativa superior à 60%. Do mesmo modo que a condição de voo e a operação do motor também implica em maior risco. Conforme a potência do motor é reduzida, o fluxo de ar do motor também reduz junto com o aquecimento normal do motor também diminui. Isso faz com que as operações com potência reduzida, como descidas, sejam consideravelmente mais propensas à formação de gelo. Algumas aeronaves são mais propensas para formação de gelo do que outras. O manual de operação da Cessna recomenda utilizar o aquecimento do carburador sempre que tenha uma condição que possa a vir formar gelo, ou seja de forma preventiva, e ainda atenta à utilização correta da mistura, para que o motor trabalhe com a potência e temperatura mais correta, e ainda orienta abrir o aquecimento sempre que a potência do motor fica abaixo do arco verde. Por outro lado, os aviões da Piper, recomendam a utilização do carburador para combater depois que já apareceu indícios, como queda de RPM ou motor áspero. O interessante é que ambas as fabricantes utilizam em suas aeronaves o mesmo motor, porém com projetos da carenagem e localização de componentes variando.
SINTOMAS Agora que sabemos quando é possível a formação de gelo no carburador, é importante saber e reconhecer os indicadores de que está ocorrendo a formação de gelo. Os sintomas clássicos de gelo presente no carburador são redução de potência e motor áspero, engasgando. Em um avião com hélice de passo fixo, a primeira indicação é, normalmente, uma pequena redução na rotação do motor. Embora o motor possa estar funcionando ainda de modo liso, conforme o gelo continua a se acumular, a rotação irá diminuir ainda mais e o funcionamento do motor passará a ser “engasgado”, com falhas. Caso o acúmulo de gelo seja suficientemente grave, e o piloto não tome medidas corretivas, o motor poderá finalmente vir a apagar. O mesmo processo ocorre em aeronaves com hélice de velocidade constante (passo variável), mas com uma importante diferença: é a indicação da pressão do manifold, e não o tacômetro, que deve ser observada a fim de se obter um diagnóstico do problema em seu estágio inicial. Ajustes precisos de potência e um constante monitoramento dos instrumentos, bem como um ouvido atento, podem alertar o piloto quanto a mudanças súbitas na performance do motor. Você também pode considerar a instalação de um indicador de temperatura do ar no carburador, a fim de auxiliá-lo a reconhecer as condições de formação de gelo. O Remédio Embora seja possível a formação de gelo no carburador a qualquer momento, sob as mais diversas circunstâncias, o remédio é sempre o mesmo: aquecimento do carburador. Consulte o manual de operações da sua aeronave a fim de entender particularidades sobre a aplicação do ar quente, mas lembre-se desta regra geral: é muito melhor empregar todo o ar quente muito cedo, do que esperar até que seja tarde demais Quando o ar quente do carburador é aplicado, ar não-filtrado que foi aquecido pelos gases do escapamento é encaminhado ao carburador, derretendo qualquer gelo que tenha se formado. Conforme o gelo derrete, água líquida é adicionada à mistura de ar/combustível, fazendo o motor funcionar de modo áspero. Tenha paciência: este funcionamento “engasgado” do motor pode durar desde muitos segundos até alguns minutos, enquanto todo o gelo derrete. Uma vez que o gelo tenha sido eliminado e o motor esteja operando normalmente, certifique-se de fechar o comando de ar quente para que o motor retome potência máxima. Passos para prevenção Durante o cheque de motor, antes da decolagem, deve-se aplicar completamente o ar quente de carburador, a fim de verificar que ele está funcionando normalmente. Conforme o ar aquecido é direcionado para o Venturi, uma pequena redução na rotação da hélice será observada, em aviões equipados com hélice de passo fixo, ou então uma pequena redução na pressão de manifold, em aviões com passo variável. Se não houver gelo presente, essa rotação deverá permanecer constante após a redução. Caso tenha havido a formação de gelo, a rotação irá diminuir um pouco, porém tenderá a aumentar em seguida, conforme o gelo vai derretendo e sendo retirado do sistema. Caso se passe muito tempo entre a checagem do carburador e a decolagem, especialmente quando sob condições mais propícias à formação de gelo, deve-se considerar efetuar o cheque novamente, imediatamente antes da decolagem. Todavia, note que o ar quente não deve ser deixado aberto durante o táxi, uma vez que o ar não-filtrado pode acabar permitindo a introdução de pequenos particulados e objetos estranhos no motor. Antes de iniciar operações em que a potência será reduzida, ou mesmo deixada em “marcha-lenta”, deve-se aplicar completamente o ar quente do carburador(a não ser que o manual da aeronave específica recomende outro procedimento). O ar quente vai ajudar a prevenir a formação de gelo no carburador, assim como a aplicação esporádica de potência ajuda a manter o motor limpo. Novamente, é melhor cometer excessos para o lado da precaução quando se trata de evitar gelo no carburador. Em casos extremos de formação de gelo em voo, pode ser necessário continuar com a operação com o ar quente aberto durante todo o tempo, a fim de prevenir que o gelo volte a se formar. Neste caso a mistura deve ser ajustada a fim de compensar a entrada de ar mais quente e menos denso, o que pode causar uma mistura excessivamente rica. Onde quer que você venha a voar, lembre-se sempre da “zona de perigo” de formação de gelo no carburador. A prevenção pré voo, o alerta para sintomas sutis de que o problema está se iniciando e a capacidade de dar uma resposta correta e imediata ao problema vão mente-lo seguro no ar e longe das estatísticas de acidentes Ao primeiro sinal de gelo no carburador: 1) Abrir todo o ar quente (a abertura parcial pode até piorar o problema!) 2) Deixe o ar quente aberto até que o motor recobre sua potência normal 3) Ajuste a mistura para o nível de voo, afim de oferecer maior temperatura do motor e desempenho. Lembre-se, mais combustível, menor é a temperatura no carburador e nos cilindros. 4) Monitore o desempenho do motor e aplique novamente o ar quente se houver necessidade. LEMBRE-SE: quando o aquecimento de carburador é acionado, o ar aquecido fará, invariavelmente, com que o motor perca um pouco de potência.
Escrito por Guilherme Pelegrino.